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                                       NOTA OFICIAL DA ABRRD

No momento que o país vê estarrecido as imagens e notícias sobre este novo desastre ligado ao rompimento de mais uma barragem de rejeito, é oportuno discutirmos o que fazer. Não no tempo imediato, onde a prioridade é ao atendimento às vítimas, à garantia de segurança e água potável a jusante da barragem e ao apoio psicológico devido aos efeitos que esta tragédia causa aos familiares e amigos dos desaparecidos.
Depois, será preciso rever profundamente o modus operandi dos procedimentos da indústria na construção destas barragens, mas também da fiscalização e legislação que lhe concerne.  Claramente há falhas que não foram sanadas pós-Samarco-2015.
Há questões importantes a serem respondidas: por que os protocolos de avaliação de segurança indicaram risco baixo; por que comunidade não foi sequer comunicada quanto ao que fazer no caso de alarme; por que utilizar uma técnica construtiva que se mostrou inadequada, entre tantas outras.
Na gestão de riscos de desastres há que se considerar três eixos de ação: o eixo técnico, o econômico e o político. Buscar o equilíbrio é fundamental. A predominância excessiva de um deles pode levar ao desastre, como estamos testemunhando.
A história mostra que grandes mudanças são motivadas por desastres. As indústrias nuclear, química e de óleo e gás passaram por grandes mudanças em relação à segurança de suas operações após grandes acidentes. É a hora da indústria da mineração promover a sua transformação.
Muitas das técnicas e tecnologias estão disponíveis, outras terão que ser desenvolvidas ou adaptadas. Mas o primordial é que uma cultura de gestão de riscos seja implementada nesta indústria, e que os órgãos reguladores, licenciadores e fiscalizadores incorporem uma cultura de redução de riscos de desastres.
Esta transformação exige uma abordagem interdisciplinar que envolve as dimensões técnica, nas suas diferentes disciplinas, social, incluindo a participação da comunidade em torno e dos trabalhadores, legal e ambiental.
Nós, profissionais, gestores, pesquisadores, agentes e voluntários em Redução de Riscos de Desastres estamos prontos a colaborar, tanto institucionalmente por meio da ABRRD, como individualmente em nossos postos de trabalho nas empresas privadas, instituições públicas e nas organizações sociais.

Niterói, 4 de fevereiro de 2019

ENTREVISTA DO NOSSO PRESIDENTE À CARTA CAPITAL

O presidente Associação Brasileira de Redução de Riscos de Desastres diz que a surpresa é termos tido ‘tão poucos desastres’

Foi até pouco. As duas imensas tragédias ambientais e humanas protagonizadas pelas quebras das barragens em Mariana e Brumadinho nos últimos anos não surpreendeu o presidente da Associação Brasileira de Redução de Riscos de Desastres, Airton Bodstein. Em entrevista à CartaCapital, ele diz que a surpresa é – infelizmente – não termos visto mais calamidades como estas.

“Acredito que continuará acontecendo”, disse ele.

Leia a entrevista na íntegra:

http://www.cartacapital.com.br/sociedade/investir-em-seguranca-custaria-mais-que-multa-segundo-especialista

ENTRVISTA À CARTA CAPITAL

ATENÇÃO - SOBRE BRUMADINHO-MG

DOAÇÕES E VOLUNTARIADO

Desastres como Brumadinho causam comoção e muita vontade de ajudar. Mas não façam campanhas e doações que não estejam sendo diretamente solicitadas pela Defesa Civil de MG ou pela Defesa Civil Nacional!

Não organizem mutirões ou viagens com pessoas para ajudar na resposta. Por melhores que sejam as intenções, voluntariado, recursos e doações que não sejam exatamente o que o Gabinete de Crise Oficial precisa se tornam problemas para o cenário de desastres ao invés do apoio pretendido.

Equipes de resposta na cena precisam ser autônomas, autossuficientes, qualificadas e não trazer mais demandas de alojamento, alimentação, transporte e logística do que o benefício que elas entregam.

Informem-se por dados oficiais e ajudem conforme as orientações.

DOAÇÕES E VOLUNTARIADO

NOTA SOBRE RUPTURAS DE BARRAGENS DE REJEITO

No momento que o país vê estarrecido as imagens e notícias sobre este novo desastre ligado ao rompimento de mais uma barragem de rejeito, é oportuno discutirmos o que fazer. Não no tempo imediato, onde a prioridade é ao atendimento às vítimas, à garantia de segurança e água potável a jusante da barragem e ao apoio psicológico devido aos efeitos que esta tragédia causa aos familiares e amigos dos desaparecidos.

Depois, será preciso rever profundamente o modus operandi dos procedimentos da indústria na construção destas barragens, mas também da fiscalização e legislação que lhe concerne.  Claramente há falhas que não foram sanadas pós-Samarco-2015.

É bem conhecido que estas estruturas apresentam uma percentagem de rupturas muito maior do que barragens de água (dados mundiais) e as razões são muitas: são estruturas muito distintas. Não se pode aplicar a mesma lógica aos 2 tipos de barramentos. Na verdade, as barragens de rejeito são geralmente pilhas úmidas de material de rejeito, lançadas de forma hidráulica e com controle precário de densidade (e resistência). E elas são construídas na velocidade que a demanda dos minérios requer, ao longo de vários anos. Portanto a gestão do risco e a avaliação da sua segurança final é um grande desafio. 

A legislação atual de avaliação do risco não é suficiente para garantir que os resultados destas avaliações sejam próximos da realidade. O relatório pós-ruptura de Fundão demonstrou que estas estruturas tem um histórico complexo, o que resulta em materiais diversos, geometrias e estratificações diferentes da esperada, e que somente com cuidadoso registro de todas as etapas construtivas (‘as built’) pode-se ter informações fidedignas para análises de engenharia. 

Estas informações estavam muito difusas antes da ruptura de Fundão, até mesmo para vários técnicos que operavam nela acreditando na sua segurança, e só foi possível descobrir depois de um exaustivo trabalho de resgate da informação (quando quase todas as restrições à informação caíram por terra, ao menos para os avaliadores e Poder Público). 

Mas a legislação sobre como avaliar a segurança das ‘barragens’ de rejeito pouco mudou na sua essência. A não ser nos casos mais simples ou muito bem controlados durante a construção, a análise de estruturas tão complexas não pode ser aferida por trabalhos como tem sido contratados normalmente (os Laudos de Estabilidade). Isto ficou plenamente demonstrado no caso de Fundão, resta descobrir o que houve no caso de Brumadinho. 

Esperávamos que depois de Mariana-2015 algumas lições tivessem sido aprendidas, mas que há um longo trabalho pela frente, tanto para a legislação, como para os construtores e para os avaliadores. 

Prof. Luiz A. Bressani , PhD (Geotecnia), UFRGS

RUPTURAS DEBARRAGENS DE REJEITO

NOTA SOBRE A ATUAÇÃO DA PSICOLOGIA EM SITUAÇÃO DE DESASTRE

Sobre Brumadinho

Daniela Lopes, ABRRD - Psicóloga

Eliana Viana, ABRRD - Psicóloga

Era hora do almoço no restaurante da mineradora. A algazarra de sempre, a hora da refeição, hora de relaxar do trabalho, ou quem sabe compartilhar umas piadas e rir um pouco. Oportunidade também para fazer contato com a família e saber se a febre do filho baixou ou como foi o exame que um parente teria feito pela manhã. Momentos que se repetiam todos os dias, com maior ou menor descontração devido às ocorrências do trabalho. Mas naquele dia 25 não deu tempo nem de provar a primeira garfada. De repente um estrondo e toneladas de lama invadiram o local e soterraram tudo e todos. Sob a lama muitas vidas, sonhos, expectativas, chefes de família com responsabilidade de sustentá-las, jovens em início de carreira projetando seu futuro profissional, estagiários curtindo a primeira experiência de por em prática o que estavam aprendendo nas salas de aulas, funcionários do restaurante comemorando a chegada do final do mês e do salário.

O estrondo irrompeu a quilômetros dali levando pânico aos que precisariam ainda de algum tempo para entender o que acontecera. Tempo físico e tempo psicológico, tempo para processar o acontecimento, tempo para tentar entender e ainda mais tempo, muito mais tempo para sofrer as perdas que vêm de todos os lados. Numa tragédia como essa, as perdas vêm de todos os lados. Os que sobrevivem contabilizam os prejuízos: casas, carros, documentos, fotos e memórias de toda uma vida. Mas há outro prejuízo que não dá pra contabilizar. A dor pela perda de quem se foi, tragado pela lama maldita. A morte de parentes e amigos os leva para a impossibilidade de nova convivência. Jamais serão vistos outra vez, o som de suas vozes jamais será ouvido. Suas risadas e choros cairão num silêncio literalmente sepulcral. E nunca mais vida alguma emergirá desse ponto. Toda perda de quem se ama ou de quem se tem contato próximo é muito dolorosa, por certo. Porém, a morte decorrente de uma tragédia como essa de Brumadinho tem ainda o fator surpresa para piorar e aumentar a dor psicológica. A despedida que foi logo ali no portão de casa nunca mais acontecerá, a lição de casa que o pai ajudaria o filho a terminar quando voltasse do trabalho, permanecerá incompleta. Os pais idosos que até se preparavam para sua própria finitude, dificilmente sobreviverão emocionalmente à perda do filho ainda com tanto para viver. Tempo para processar a dor. Cada um precisa do seu próprio. Para uns demora, mas aos poucos vão usando seus recursos emocionais, valendo-se das memórias que ficaram ou precisando tocar a vida por absoluta impossibilidade de ser diferente. Viúvas que ao mesmo tempo que pranteiam a morte dos maridos, precisam continuar cuidando dos filhos e aprendendo a resolver os problemas que antes eram compartilhados com os maridos, além de precisarem conseguir um trabalho para manter o sustento da família. Nem sempre conseguem. Pessoas tem níveis diferentes de capacidade de superação. Muitas apresentam complicações decorrentes de traumas como esses. Depressão reativa, somatização em diferentes funções corporais como hipertensão ou complicações cardíacas são frequentes. A depressão reativa a uma situação de perda pode levar tempo para ser superada. A angústia frente a problemas reais de moradia e sustento podem acarretar desorganização de comportamentos, perda de autocontrole e uso abusivo de álcool. O trauma e a dor psíquica inerente exigem tempo e exigem atendimento.

Atender em situações como essas que foram descritas apresenta várias faces. Equipes que se encarregam dessa tarefa precisam antes de mais nada de se oferecerem como espaço de escuta à dor. Apenas escutar sem preconceito e muito menos julgamento de valor. Não importa o tamanho do prejuízo material ou da relação de parentesco, a dor é sempre singular, cada uma tem o tamanho que lhe confere aquele que sofre. E ponto. Julgar ou querer passar uma régua medindo sofrimento, além de inócuo é profundamente desrespeitoso. Profissionais que se encontrem nessa função precisam se preparar para a intensidade de emoções que observarão a fim de decidirem se estão prontos para tal. Tentar minimizar a reação emocional do outro, ou apelar para sentimentos religiosos ou curas esotéricas não parece a intervenção adequada. Se o local do atendimento comportar, talvez seja possível avaliar a formação de pequenos grupos para conversas e trocas de experiências. Com uma duração determinada para ser um compartilhamento de experiências e não um amplificador de sofrimento. É importante o acolhimento, a aceitação e o estar com essa pessoa, quer dizer, é preciso estar próximo ao outro, com a dor do outro. Recomenda-se que o suporte psicológico, no momento da resposta ao desastre, deva se destinar a sobreviventes machucados e não machucados, parentes e amigos enlutados, equipe de assistência emergencial, membros da equipe de resgate e outros serviços de apoio, membros da mídia que cobriram o fato e vítimas secundárias. O contato com as autoridades que fornecem as notícias também é um dispositivo importante no momento da máxima consternação. A falta de confirmação da morte de uma vítima deixa a família num limbo emocional insuportável. É importante destacar que, em uma situação como essa, os afetados acabam perdendo os elementos que fazem parte de sua história, como casa, trabalho, documentos, familiares, pessoas conhecidas, animais, entre outros, e essas alterações vão provocar uma mudança em seus cotidianos, alterando seu modo de estar e ser em sociedade. Uma tragédia como a de Brumadinho jamais será esquecida por quem a sofreu, direta ou indiretamente. A memória da tragédia é um fenômeno complexo, envolve a fotografia mental dos fatos e locais, envolve a memória afetiva a eles relacionados, envolve sem número de detalhes carregados de significados. A memória é feita e refeita a cada tempo, a dor pode se alimentar e retroativamente manter aberta a ferida impedindo-a de cicatrizar. Entretanto, em alguns casos, mais alvissareiros, podem aos poucos se transformar em renovada força interior, motivando movimentos de transformação e reconstrução emocional. Difícil, mas não impossível. Depende da capacidade interna de reparação no âmbito afetivo. Depende das oportunidades de ter sido ouvido e amparado. Depende da confiança nas providências tomadas pelas instâncias responsáveis pelo desastre. Depende da solidez da rede de cuidados que pode ser formada em torno da região. Depende, portanto, de aspectos sociais circundantes, mas sobretudo do processo de resiliência que corre em cada pessoa e em cada grupo que conseguiu se formar. Aos sobreviventes da tragédia de Brumadinho resta desejar que sigam adiante. O passado os acompanhará para sempre, é fato. O futuro, por ora incerto, talvez possa contemplar alguma oportunidade ali adiante. O ditado é clichê, mas tem lá sua sabedoria: “onde há vida, há esperança”! Também poderíamos reescrever mudando a ordem dos termos e cruzando os dedos, torcer para que a esperança renove a vida. Não uma esperança solta no imponderável, mas na energia da reconstrução, a um tempo de suas próprias memórias e vidas e também de suas casas e de sua cidade. Para dar força a essa capacidade de reconstrução, compete aos psicólogos intervir na restauração e no aumento da capacidade adaptativa de cada indivíduo e comunidade. A fim de alcançar isso, deve-se oferecer oportunidades para as vítimas utilizarem a ajuda e o apoio familiar (ou da comunidade), assim como esclarecer perspectivas futuras e proporcionar um alicerce, com o intuito de se organizarem psiquicamente perante o evento. Sobre o trabalho do psicólogo no cenário do desastre, é fundamental destacar e recomendar, ainda, que o profissional deverá conhecer o sistema de atendimento a emergências e desastres, no âmbito local e nacional, no que se refere às etapas de desenvolvimento de um plano de operações para atendimento a todas as pessoas e instituições envolvidas, bem como seu espaço de possíveis intervenções. Em uma situação como a do rompimento de barragem ocorrida em Brumadinho, que se caracteriza como um desastre de grande porte, antes de executar qualquer intervenção, o psicólogo deverá se dirigir ao coordenador das operações. É imprescindível que o psicólogo tenha ciência sobre o plano de contingência local para a sua atuação em situações de emergências e desastres e/ou protocolos equivalentes; que tenha conhecimento dos riscos existentes na área do desastre, da realidade e das características da comunidade atendida e dos recursos existentes para as ações preconizadas; e, também, colaborar para que toda a informação a ser encaminhada pela imprensa seja por meio de porta-voz do sistema de coordenação de operações, contribuindo para que a privacidade dos afetados seja preservada, e que a relação com a imprensa vise a otimização do atendimento.

Diante da tragédia que acompanhamos, o ensinamento é que é necessária e óbvia a prioridade de entendermos e ocuparmos, em conjunto, o espaço da gestão de riscos de desastres. Fato é que se agora estamos ocupados em dar uma resposta para minimizar os danos de um desastre, que não é natural, é porque falhamos na prevenção. Desastres como o de Brumadinho, Mariana e tantos outros não são naturais. Natural é a vida e o amor que existem nos seres humanos. Portanto, precisamos, constantemente, de novos horizontes de formação e preparo.

PSICOLOGIA EM SITUAÇÃO DE DESASTRE

OS TRÊS EIXOS DA PREVENÇÃO DE DESASTRES

 

Airton Bodstein – Presidente da ABRRD

 

Pela terceira vez nos últimos oito anos, o povo brasileiro inicia um novo ano com uma tragédia logo no primeiro mês do calendário.  No dia 12 de janeiro de 2011 o Brasil acompanhou estarrecido, o grande desastre da região Serrana no Rio de Janeiro, onde somados os mortos e desaparecidos, foram vitimadas mais de mil pessoas em sete municípios do estado do Rio de Janeiro. Dois anos após, em 27 de janeiro de 2013, mais um janeiro sangrento com a morte de 242 jovens e outros 680 feridos numa discoteca da cidade de Santa Maria, no estado brasileiro do Rio Grande do Sul. Na última sexta-feira, dia 25 de janeiro de 2019, fomos surpreendidos, mais uma vez, com imagens de um filme de terror veiculadas pela mídia nacional, em que dezenas de pessoas corriam desesperadas tentando se proteger de uma onda gigante de lama, provocada pelo rompimento da barragem de Brumadinho na região metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais; mas a maioria infelizmente, não teve tempo nem de correr e foram fatalmente soterradas pelo mar de lama.

O que torna este evento muito grave do ponto de vista da prevenção de desastres no Brasil, é o fato de que há pouco mais de três anos, mais precisamente no dia 5 de novembro de 2015, houve o rompimento de outra barragem de rejeitos de mineração operada pela mesma empresa Vale S.A., a barragem de Fundão, localizada no subdistrito de Bento Rodrigues, a 35 km do centro do município brasileiro de Mariana, Minas Gerais, tendo sido considerado o maior desastre ambiental do país com 19 vítimas fatais. Isso demonstra que as autoridades responsáveis pelo licenciamento e fiscalização e principalmente a empresa Vale não aprenderam nada com a tragédia anterior. Não se mostraram preocupadas com a segurança do seu próprio pessoal, ao instalar refeitórios e estruturas administrativas na área de risco de um possível (ou melhor, provável) rompimento da barragem.

Faço essa cronologia das tragédias ocorridas nos últimos oito anos no Brasil, primeiro para realçar um fato importante na ciência da redução de riscos de desastres: não deixar cair no esquecimento coletivo a dor, o sofrimento e o desespero daqueles que estiveram envolvidos diretamente nesses tristes eventos. Infelizmente, passados os primeiros dias em que a grande mídia dedica-se em tempo integral a divulgar imagens, fotos, depoimentos, entrevistas, comentários de diversos especialistas, de ótima qualidade do ponto de vista jornalístico, o interesse coletivo sobre o assunto vai perdendo força dia a dia, e rapidamente entra para o rol das tragédias naturalizadas, sem levar em conta que as perdas de vidas de forma prematura e evitáveis são, definitivamente, irrecuperáveis e que o drama que se abateu sobre cada uma dessas famílias irá marcá-las para o resto da vida. Para os profissionais que atuam em defesa e segurança civil, cada vida perdida prematuramente é um desastre familiar. Isso fica bem evidente nas imagens de felicidade dos bombeiros ou de qualquer outro agente voluntário ou não, que participa de resgate e salvamento, ao lograr êxito em salvar uma vida, mesmo a de um animal. Faço aqui uma homenagem especial a esses homens e mulheres que arriscam as suas próprias vidas para tentar salvar outras vidas, que foram colocadas em risco pela irresponsabilidade e/ou ganância de alguns. Não vou entrar na análise técnica do que vem ocorrendo em Brumadinho, pois a mídia vem fornecendo farto material de informação para a população com detalhamento bastante embasado tecnicamente. Quero falar aqui não de hoje, que agora só nos resta socorrer os vivos, acompanhar as famílias e enterrar os mortos, mas principalmente do amanhã, a fim de que tragédias como essa não se repitam.

É preciso considerar que um desastre só ocorre quando existe o encontro de diversas variáveis atuando simultaneamente, resultando em um somatório de falhas ou erros, humanos ou materiais que, individualmente, não teriam o potencial para causar o desastre. Isso exige um estudo detalhado e minucioso de tudo o que ocorreu naquele evento, que conduziu à situação de colapso que foi verificada. A identificação de cada fonte causadora de um problema, consideradas no conjunto de resultados provocados, é que permitirá o aprimoramento das normas e procedimentos de prevenção para situações futuras semelhantes. Isso é feito com muito rigor na área da aviação, civil e militar. A cada desastre aéreo o CENIPA, no caso brasileiro, faz uma investigação detalhada, não para apontar culpados, esse um problema da justiça, mas sim para melhorar a segurança dos próximos vôos através da correção dos problemas envolvidos naquele acidente. Fica claro que isso não foi realizado após o desastre de Mariana e caso tenha sido feito, foi claramente negligenciado e certamente teria evitado o desastre agora de Brumadinho, pelo menos no que tange às vitimas fatais.

Na gestão de riscos de desastres há que se considerar três eixos de ação: o eixo técnico, o econômico e o político. No primeiro a ciência tem avançado bastante nas últimas décadas estudando todas as variáveis que possam vir a provocar um desastre, desde as climáticas passando pelas tecnológicas, equipamentos específicos, treinamento de pessoal especializado, normas de segurança, planos de contingência, entre diversas outras atividades. Os veículos autônomos estão sendo desenvolvidos para reduzir ao máximo a falha humana, responsável por mais de 90% dos acidentes rodoviários que matam mais de 40 mil pessoas por ano no Brasil. Aprendeu-se muito até agora, mas estamos longe ainda de entender todos os mecanismos envolvidos em desastres, como preveni-los ou evitá-los. Não conseguimos ainda prever um terremoto, um tsunami, ou ter a certeza que um deslizamento de massa irá ocorrer em uma determinada região, mesmo que seja considerada de médio ou alto risco. Com todo o aparato tecnológico desenvolvido para a meteorologia, não conseguimos prever o dia, a hora e o volume preciso de chuva que irá cair em um determinado bairro por exemplo, ou mesmo em uma cidade. Temos tão somente uma previsão regional com uma grande margem de erros e acertos.

Esse grau de incerteza em relação à ocorrência de um desastre é talvez a maior fragilidade de todo o sistema de prevenção. Podemos construir mapas de risco, calcular índices de vulnerabilidade, estabelecer as probabilidades de ocorrência em termos percentuais, a relativa gravidade dos danos caso a ameaça se concretize, mas não conseguimos garantir se ele vai ocorrer ou não. Essa é a brecha para que indivíduos e/ou corporações gananciosas aumentem os seus lucros em detrimento da segurança das pessoas. E aí começamos a analisar o segundo eixo envolvido nos desastres, o eixo econômico. As grandes corporações em geral, colocam o lucro à frente dos interesses sociais e utilizam do seu alto poder financeiro para exercer uma grande pressão sobre todos aqueles que confrontem os seus interesses. Alteram as legislações de controle a seu favor, inibem os instrumentos de fiscalização e apostam que, caso um desastre ocorra, o custo financeiro a ser assumido, será sempre muito inferior aos investimentos que seriam necessários para reduzir os riscos a um mínimo aceitável, ou seja, confiam na impunidade. É fácil comparar o valor das multas aplicadas pelas autoridades no momento do desastre, com aquelas efetivamente pagas após anos ou décadas de brigas judiciais e quando pagas, em valores muito abaixo daqueles inicialmente arbitrados.

Quanto ao terceiro eixo, o político, este está muitas vezes associado ao econômico e quando os interesses de ambos são convergentes, resta pouco a fazer quanto à prevenção efetiva dos desastres. Os políticos alegam, a priori, desconhecer normas técnicas ou científicas e respaldam as suas decisões em laudos técnicos frágeis e fortemente direcionados para os interesses das corporações, que visam minimizar ou até eliminar os riscos associados ao empreendimento. Quando um desastre ocorre fica muito fácil para o gestor culpar um subordinado responsável técnico pela área em questão, por não tê-lo prevenido dos riscos, transferindo inteiramente a sua responsabilidade pelo fato a terceiros. É preciso que o gestor assuma plenamente a sua responsabilidade nesses casos. Tomando por exemplo Brumadinho, o prefeito da cidade fez uma declaração que para ele não havia risco naquela barragem, uma vez que os órgãos de licenciamento haviam aprovado o empreendimento. Se o risco não é admitido, não se investe em prevenção. E finalmente considerando a penúria financeira da grande maioria de estados e municípios, que obriga os gestores a hierarquizar os investimentos, estes sempre vão direcionar os recursos para aquelas demandas de maior visibilidade, com fins eleitorais, ou aquelas cuja necessidade efetiva seja mais fácil de comprovar como ações na saúde, segurança e educação, carências diárias da população brasileira.

Em vista desse quadro triste, mas realista, o melhor caminho é investir na educação em todos os níveis a fim de criar no Brasil uma cultura de percepção de riscos e desenvolver em cada cidadão uma permanente preocupação com a sua própria segurança, cobrando providências das autoridades públicas na prevenção de desastres e não aceitando e denunciando os riscos a ele impostos por interesses políticos ou financeiros.

OS TRÊS EIXOS DA PREVENÇÃO DE DESASTRES

MINERAÇÃO – É HORA DA VIRADA

Choque de gestão de risco é o caminho

 

Marcio Dertoni - Secretário Geral da ABRRD

O segundo desastre em três anos com o mesmo tipo de barragem (Mariana e Brumadinho) indica que é a hora da mineração fazer a virada que já ocorreu nas indústrias nuclear, química e de óleo e gás.

 

O que há em comum?

Em todos os casos as técnicas já existiam, mas não eram empregadas por questões econômicas e por um baixo nível de cultura de segurança.

 

Em todos os casos foi necessária a ocorrência de um desastre para que houvesse a mobilização necessária para a implantação de uma gestão de risco adequada à indústria.

Em todos os casos tudo aconteceu muito rápido, sem que houvesse tempo para a tomada de decisão.

 

Em todos os casos o alarme foi tardio, não sendo capaz de evitar ou reduzir as consequências.

Veja um pouco da história nos boxes ao final.

 

O que mudou?

A indústria nuclear alterou seus critérios de projeto, operação e manutenção, aprimorando as técnicas de análise de risco e implantando critérios de projeto, de operação e gestão da manutenção baseada no risco.

 

A indústria química implantou a sistemática de segurança de processo (gestão baseada no risco) para gerenciar o potencial de ocorrência de perdas de contenção de produtos químicos e de energia. Além disso, passou a levar em conta a população vizinha em seus planos de segurança e contingência (Responsible Care).

 

indústria de óleo e gás passou por dois grandes choques de segurança. O primeiro após o acidente com o petroleiro Exxon Valdez no Alasca em 1989, levando a convenções internacionais de segurança no transporte de petróleo e derivados. Em 2010, o acidente de Macondo levou a indústria a um grande esforço de colaboração, que resultou na revisão dos protocolos de segurança e de contingência na exploração e produção de petróleo off-shore.

 

E na mineração?

A grande diferença da mineração para as indústrias química, nuclear e de óleo e gás é a velocidade de seus processos. 

 

Enquanto na indústria nuclear, química e de óleo e gás a velocidade dos processos são medidas em escala de segundos, a escala de tempo da mineração é de anos.

 

Uma reação nuclear ou química pode alterar as condições de temperatura e pressão muito rapidamente. Já as condições de pressão em uma barragem podem levar horas para se alterar, enquanto que as condições da barragem podem levar anos para se consolidar ou se deteriorar.

Assim como nas outras indústrias antes do choque de segurança, a mineração trabalha com classificação estática de riscos, que não levam em conta os processos de deterioração devido ao monitoramento insuficiente, agravado pela baixa velocidade dessas alterações, dificultando a sua percepção.

Choque de segurança na mineração

A baixa velocidade dos processos na mineração decorre em menor probabilidade de ocorrência de acidentes. Por outro lado, suas massas e volumes são muito grandes, levando a um potencial de danos muito grande.

Além disso, há fatores de natureza geológica que devem ser considerados além da escala de probabilidades, mas nos modos de falha e na definição de critérios de projeto.

Primeiro passo

  • Abordagem baseada em risco – utilização de técnicas de análise de risco industriais para a avaliação do risco de barragens de rejeitos

  • Priorização com base no risco – ações de melhoria de segurança ou de contingência 

 

Segundo passo

  • Implantação de planos de contingência com a participação da comunidade – revisão de todos os planos de contingência considerando a participação da comunidade, incluindo a possibilidade de realocação de pessoas ou a logística em caso de evacuação

 

Terceiro passo

  • Implantação de programa de reforço de segurança ou descomissionamento de barragens de alto risco – o reforço de segurança deve se basear nos modos de falha e em análise de riscos

  • Implantação de critérios de projeto mais seguros para novos projetos – pode incluir medidas de segurança para as tecnologias em uso e a utilização de outras tecnologias mais seguras

 

Quarto passo

  • Desenvolvimento de uma cultura de segurança baseada nas pessoas para toda a força de trabalho – o exemplo deve vir da liderança

  • Implantação de procedimentos e governança de segurança – que garantam a contínua implementação das medidas anteriores e sua evolução

MINERAÇÃO - É HORA DA VIRADA
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Indústria Química.PNG
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